Alguns personagens formam o arcabouço da doutrina da predestinação, Jean Calvin (1509-1564), francês nascido em Noyon, não era padre ordenado, era humanista, na sua meditação, considerava a fé um termo ambíguo, “de fato, enquanto ensinamos que deve a fé ser certa e segura, não imaginamos alguma certeza que de nenhuma duvida seja tangida, nem uma segurança que de nenhuma inquietude seja atacada”. Lutero nasceu no ano de 1483, escreveu as 95 Teses em 1517, portanto a ênfase de Lutero foi: Sola Gratia, Sola Fide, Calvino, não acreditava numa fé simples, do tipo expressado no livro de Hebreus, “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam a convicção de fatos que se não vêem” (Hb. 11:7), para ele a fé tinha quatro componentes:
1-Conhecimento
2-A boa vontade de Deus como objeto do conhecimento
3-Os fundamentos do conhecimento
4-Meios interiores, pelos quais o conhecimento é compartilhado
Quando Lutero publica as 95 teses, Calvino tinha oito anos de idade.
Com esses tópicos a religião começa a ser elitizada, as camadas mais pobres e incultas da sociedade se distanciava ou era colocada à margem. “Por este conhecimento, digo-o, não pela submissão de nosso sentir, obtemos ingresso no Reino dos Céus”, teria afirmado Calvino. No sistema de Tomás de Aquino a fé não dependia de um conhecimento especial. A grande massa de camponeses daquele tempo nunca chegou a entender a fé de Calvino, viviam nessa fé pela imposição de uma elite poderosa que se achava predestinada.
Mas o ensino de Aquino em relação à fé, tinha muito de uma crença no que a igreja impunha como aquilo em que se deve crer. “a fé é um assentimento intelectual a alguma crença proposta”.
Predestinação
Embora a doutrina da eleição, eklekton, também conhecida por predestinação, tenha se tornado o tema de maior destaque depois da morte de Calvino, na verdade não ocupava um lugar tão proeminente como hoje se faz. O assunto da predestinação só entrava nas suas considerações após a exposição da soteriologia, a salvação, ele coloca esse estudo no final do livro 3 de As Institutas, e adverte com respeito à predestinação: “ Procurar outro conhecimento da predestinação que [aquele] que na Palavra de Deus se expõe, de não menor insânia é que se alguém queira ou avançar por [lugar] sem caminho, ou ver na escuridão”.
E exatamente isso que fez o teólogo amigo chegado de Calvino, para Calvino que também entrava pelo caminho do supralapsarianismo, a dupla predestinação, mas recusava a especular porque Deus predestinou alguns para a vida e outros para a destruição, ele dizia; “não devemos saber mais do que convém”. Mas a “coceira” foi lançada e Teodoro Beza avançou o sinal vermelho e traiu o mestre.
Outra grande divergência entre os reformadores foi a forma de batismo, e o significado da Ceia, Calvino não se entendia com Lutero que admitia a presença metafísica do corpo de Cristo no pão e no vinho, e Zwinglio que afirmava ser a Ceia simplesmente um memorial, com isso se separaram, dizem que nem sequer se deram as mãos na despedida.
O desvio teológico de Teodoro Beza
Com a morte de Calvino, Teodoro Beza retrocede no método de ensino, abandona o método indutivo de Calvino e introduz o método dedutivo aristotélico que caracterizava o escolasticismo medieval. (¹). Acredita-se que Calvino oferece aos leitores do livro, “As Institutas” pistas para a expiação limitada, mas não entra no mérito pela incerteza que advém da leitura e a grande dúvida ao tentar ensinar aquilo que até em Paulo era um paradoxo.
Os cinco pontos adotados por Beza e que tinham a aprovação do príncipe Maurício, são os seguintes:
1- Depravação total do homem
2- Eleição incondicional
3 - Expiação limitada
4- Graça irresistível
5- Perseverança do santos.
Escolasticismo
(1) O escolasticismo segundo o historiador Brian Armstrong identifica quatro tendências: O escolasticismo emprega ma forma dedutiva de raciocínio, o sistema de fé é elaborado através de premissas
(2)- A razão é elevada a tal nível que pode até mesmo ameaçar a revelação das Escrituras
(3)- A o escolasticismo apóia-se na premissa de que as Escrituras contém uma teologia racional
(4)-O pensamento abstrato e especulativo permeia todo o sistema.
Para muitos historiadores, as teologias de Calvino, Lutero e outros reformadores que eram bíblicas e baseadas na experiência, foram vencidas pela metafísica e lógica dedutiva do sistema Aristotélico.
Tiago Armínio (1560-1609) foi educado na tradição calvinista, estudou em Leyden, Genebra e Basiléia, sob a tutela de Beza, foi convocado a refutar as idéias heréticas e “libertinas” de um pregador (anabatista), esse afirmara com toda convicção que a dupla predestinação não se harmonizava com o amor e a misericórdia. Armínio estudou o processo e terminou por concordar também com Dirck Coornheert (1522-1590) e que esse tinha razão, de fato o supralpsarianismo, não era ensino de Calvino, mas de Teodoro Beza que havia distorcido Calvin. Armínio chegou então à conclusão que, a segunda geração de calvinista seguiu um caminho estranho, longe do que fora ensinado por Calvino.
Armínio procurou retornar ao método de Calvino, analítico e indutivo (²), que divergia frontalmente do método escolástico de Beza, que levava à conclusão de uma expiação limitada, e a uma dupla predestinação, Deus no conceito de Beza, havia predestinado uns para a vida eterna e outros para a perdição.
Dando ênfase à soberania divina na predestinação e à expiação limitada aos eleitos, Teodoro Beza deu à tradição reformada, uma marcar de provocativa arbitrariedade.
Esse conceito supralapsariano não deixava Calvino tranqüilo, ele fugia do mérito, mas deixava pistas pela dúvida contida nas entrelinhas dos seus tratados, até achava a sentença assentada na carta de Paulo aos romanos de difícil explicação, pois apresentava uma arbitrariedade, “Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú” “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão”; como arbitrariedade significava também capricho, e despotismo de governos tiranos, e fazia de Deus um ser menor do que um ser humano, Thiago Armínio percebeu que Beza havia abandonado os ensinos de Calvino e adotado a predestinação como um novo ponto de partida lógico para o seu sistema, e notou com muita propriedade que, isso não fazia parte da síntese de Calvino.
Teodoro Beza introduziu uma proposição teológica conhecida como “acima da Queda” isto é, "antes da Queda”. Essa reflexão escolástica- medieval, destronou o Pai amoroso e presente, colocando-o distante e caprichoso. Desse ponto a teologia de Calvino profundamente modificada por Beza e Franz Gomarus, seguiu adiante, colocando em dúvida o caráter de Deus.
De forma que, os cinco pontos principais do calvinismo que temos hoje, não são de Calvino, e sim de Teodoro Beza.
Franz Gomarus (1563-1641) professor da teologia calvinista em Leyden, colega de Armínio, considerava esse um homem muito perigoso, espalhou boatos contra o caráter de Armínio por toda a província, após quatro ou cinco anos de perseguição, já debilitado, Armínio morreu aos 49 anos de idade, em 1609.
Mas essa doutrina escandalosa foi de interesse do príncipe Maurício que via nela uma inspiração monárquica de poder absoluto que ele desejava ansiosamente.
Assim protegidos pelos poderosos, que se consideravam predestinados pela riqueza que ostentavam, Maurício febril de poder, lançou Jan van Oldenbarneveldt, líder da província da Holanda, e Hugo Grócio
(1583-1645) na prisão, Oldenbarneveldt, pediu que os seguidores de Armínio preparassem uma declaração de fé, a fim de que fosse apresentado ao governo, e assim obterem tolerância para suas idéias.
O príncipe temendo perder a autoridade, já que almejava o absolutismo, acusou os seguidores de Thiago Armínio de heréticos, mandou prender Hugo Grócio e Oldenbarneveldt, esse último foi injustamente acusado de traição, apressadamente condenado e decapitado antes do Sínodo de DORT, isso foi considerado pelos historiadores como, um assassinato. Hugo Grócio consegui escapar graças à astúcia de sua esposa, que enviou-lhe livros num baú, e depois carregou o baú de volta com Hugo dentro dele, que fugiu; só voltou ao seu país depois da morte de Maurício no ano de 1625. É dessa forma que nasce a teologia de Teodoro Beza, em meio à mentira, difamação, impiedade, interesse político, prisão arbitrária, tribunal inquisitório, condenação apressada, e execução por motivo fútil.
A síntese do pensamento arminiano foi:
1-A depravação do pecador é vista por sua extensão, mas não por seu grau, de modo que o Espírito Santo deve ajudar os homens a fazer as coisas verdadeiramente boas (Como ter fé em Cristo para a salvação)
2- O decreto da salvação aplica-se a todos os que creem em Cristo e perseveram em obediência e fé.
3- Cristo morreu por todos os seres humanos
4- É possível ao cristão renunciar á fé e perder-se eternamente.
Mais tarde John Wesley deu ênfase à graça preveniente:
The beginning of the work of salvation is Gods´s prevenient grace. The word prevenient simply means: To come before. It is an elemental form of grace found in everyone. It anticipates and prepares us for the coming of saving grace. (3)
A graça livre para todos e livre em todos
Wesley likes to talk about grace being free for all and free in all.
"Free for all" means it is available to everyone ( as opposed to predestination of Beza)
Free in all, refers to this prevenient grace which " waiteth not for the call" We dont have to ask for it, or even desire it, it is simply there (4)
Igrejas metodistas
As Igrejas metodistas sustentam a depravação humana bem próxima do calvinismo; mas sem a iniciativa divina, sem a obra da graça preveniente, a humanidade é incapaz de corresponder ao amor de Deus. Enquanto que a teologia reformada assevera que essa graça é estendida apenas aos eleitos e é irresistível, as igrejas metodistas afirmam que, a graça preveniente é estendida a toda a raça humana e é resistível, isto é, o homem à semelhança do “jovem rico” e a tantos que recusarm Jesus, ele também pode recusar, resistir. A graça preveniente é uma iniciativa de Deus e restaura a capacidade humana de corresponder ao amor divino. Enfatiza as doutrinas da expiação ilimitada, isto é, para toda a humanidade, e por fim, restaura a dignidade humana, tirando o homem da condição de “puppet” para uma condição de ser humano racional e com responsabilidade. Finalmente, enfatiza o livre-arbítrio e a justificação pela graça por meio da fé somente.
Conclusão:
Teodoro Beza e Franz Gomarus distorceram Jean Calvin, abandonaram os ensinamentos de amor e caridade que faziam parte da reforma, abandonaram o método indutivo, inferência de uma generalização a partir de casos particulares, e adotou o método dedutivo, mais autoritativo sem chance de reflexão, não se podia pensar, nada de aplicar a razão, mas somente aceitação sem questionamento, assim, ele mudou o debate da salvação para predestinação, obscureceu a Cruz, banalizou a fé, e fez do homem um ser desprezível objeto de entretenimento, sem nenhum valor moral, sem fé, sem pão, sem Deus, sem esperança, irracional e totalmente depravado. Desprezou o conselho de Calvino para não tentar enxergar na escuridão, mergulhou nela de corpo e alma. Distorceu Calvino.
A dedução usada por Beza era uma seqüência de proposições cuja ultima proposição é a conclusão da seqüência, é uma derivação, logo se há a predestinação ela é dupla, a eleição teria que ser limitada, a graça concedida aos eleitos irresistível, e o homem um “puppet”.
Num certo sentido a escolástica demonstra que a dedução se refere a uma inferência na qual um falante afirma que a conclusão se segue necessariamente das premissas, logo se a base de reflexão é a predestinação, logo ela também é, supralapsária, isto é, “dupla”; Deus segundo Beza predestinou alguns para a salvação eterna, e outros para a perdição” E tudo se acaba num abismo infinito.
O homem nessa circunstância caminharia a ermo, nascido para ser pisado, “sem pão, sem fé, solitário pelo caminho, como um cego conduzido pela natureza cega insensível, caprichosa, e cruel, condenado antecipadamente sem nenhuma chance de ser ouvido, mesmo que desejasse a graça, essa lhe seria negada.
Poderia até ser calvinista, mas jamais bezarianista, contínuo simplesmente cristão